Saturday, October 30, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (8 - Final)

A REVOLUÇÃO DE 31 DE JANEIRO DE 1891

Romper, porém, com a tradição; desprezar os ardis; desembainhar a espada, sem escudo que o corpo proteja; contestar toda a autoridade cons­tituída; reclamar-se do simples direito natural e da mera soberania da nação, isto foi o que fizeram os de 1385 ; isto foi o que fizeram os de 1640 ; isto foi o que fizeram os de 1891. Honra eterna é e será a eles todos.
(Do Manifesto dos Emigrados da Revolução Republicana Portuguesa de 31 de Janeiro de 1891).

Dissolvida a Liga Patriótica do Norte, mais fácil se tornou a repressão das forças democráticas por parte da classe dominante, mas, por outro lado, mais se foi estru­turando a ideia de que não era possível enfrentar os proble­mas nacionais dentro do regime monárquico.
A luta pela independência nacional e pela liberdade identifica-se cada vez mais com a luta pela República, da mesma maneira que, 1880, com as comemorações do cente­nário de Camões, tinha assinalado o aparecimento do Partido Republicano como elemento decisivo da vida do País. Ora, sendo a pequena burguesia e o operariado a parte mais progressiva da Nação, quer dizer, aquela que mais apta estava para pressentir o verdadeiro significado do ultimatum, é naturalmente o Porto que reúne melhores condições para transformar em acto revolucionário o pensamento latente na massa da população.
Era aí que a pequena burguesia possuía mais larga experiência de luta pelas liberdades democráticas, era aí que as massas operárias ocupavam lugar preponderante em relação aos outros sectores da população, e era, também, aí que o pensamento político e especulativo se afirmara com mais autonomia e mais atento estava aos problemas da ciência e da filosofia.
Portanto, não pode constituir surpresa o facto de ter sido no Porto que o movimento patriótico desencadeado pelo ultimatum se concretizou numa revolução — a revolução popular de 31 de Janeiro de 1891. As condições em que surgiu, o tipo de estrutura social e económica da cidade do Porto, o conjunto dos seus factores dominantes, em suma, não podia produzir senão um movimento popular. Efectivamente assim sucedeu. «Em 31 de Janeiro, homens notáveis pela posição social ou pelo talento entram por minoria infinitésima; oficiais de graduação elevada, nem um aparece a dar sequer uma adesão platónica; e de patentes modestas, con­tam-se apenas três».
«Quem prepondera, quem se mostra no primeiro plano, quem se exibe em relevo poderoso, são os paisanos desconhecidos que investem com a porta do quartel de infantaria 18, e os sargentos e soldados anónimos que, horas depois, na rua de Santo António e na câmara replicam ao fogo da Guarda Municipal» (ver [27], pág. 437).
E, para que a Revolução triunfasse, faltou apenas a unidade das forças democráticas e das forças operárias.
É certo que Basílio Teles ainda tentou essa unidade, entrando em contacto com o prestigioso militante operário Luís Soares (1) que, de resto, acompanhara as forças revo­lucionárias desde a concentração no Campo de St.o Ovídio (hoje Praça da República). Mas esse diálogo foi já na fase final da revolução, quando os combatentes estavam entrin­cheirados no edifício da Câmara (Praça da Liberdade) e prestes a serem bombardeados pela artilharia fiel ao governo.
Ora, o problema da unidade das forças democráticas e das forças operárias era anterior à revolução, e o que se impunha era uma plataforma prévia de objectivos de modo a chegar a um só programa. E, para isso, era indispensável transpor as divergências entre umas e outras, conquistando o apoio das forças operárias para a obtenção das liberdades democráticas e inscrevendo no manifesto das forças democrá­ticas a principal reivindicação daquelas, ou seja, o regime das oito horas de trabalho.
Não se tendo feito esta unidade antes da revolução, dificilmente se conseguiria, como não se conseguiu, a inter­venção das massas trabalhadoras, na altura em que o plano revolucionário já demonstrava as suas insuficiências. Mas, o que se impõe cada vez mais é a actualidade de 31 de Janeiro de 1891.
Na verdade, trata-se de uma revolução em que a luta pela independência nacional e pela liberdade anda estreita­mente ligada à luta contra o imperialismo. E, por outro lado, constitui um exemplo bem significativo de como a unidade das forças democráticas e das forças operárias é condição essencial do triunfo do Povo.
Nisto consiste o seu valor de antecipação, o seu grande interesse.
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(1) Os elementos sobre Luís Soares, utilizados neste trabalho, fo­ram-me indicados pelo Sr. Alberto Carneiro.
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BIBLIOGRAFIA

[l] Anselmo de Andrade — Portugal Económico, Lisboa, Manuel Gomes, Editor, 1932.
[2] João Chagas e Ex-Tenente Coelho — História da Revolta do Porto, Lisboa, Empresa Democrática de Portugal, Editora, 1901.
[3] Oliveira Martins — Política e Economia Nacional, Lisboa, Guima­rães e C.a Editores, 1954.
[4] Les Temps Modernes, Paris, 9e année, n.° 101, Abril, 1954.
[5] História de Portugal, Portucalense Editora, Barcelos, 1935, Vol. VII.
[6] A. J. Carneiro da Silva, Joaquim Gonçalves, António Manuel Lopes e J. P. Oliveira Martins — Relatório Apresentado ao Ex.mo Sr. Gover­nador Civil do Distrito do Porto, Presidente da Comissão Distrital do Inquérito às Indústrias pela Subcomissão encarregada das visitas aos estabelecimentos industriais, Porto 1881.
[7] Basílio Teles — Carestia da vida nos campos, Porto, Livraria Chardron, 1904.
[8] Viterbo de Campos — In Memoriam no Quadragésimo Aniversário do seu falecimento — A Cooperativa do Povo Portuense, 1950.
[9] O Primeiro de Janeiro, N.os de 16 de Março a 3 de Abril de 1887.
[10] P. Marjay — Porto, Livraria Bertrand, Lisboa, 1955.
[11] J. C. Allan. G. A. Smith e R. L. Lewis — As minas da Panasqueira, Revista da Ordem dos Engenheiros, Ano IV, Agosto de 1948, N.° 56.
[12] Exposição Nacional do Rio de Janeiro, Notas sobre Portugal, Vol. I, 1908, A evolução da indústria algodoeira.
[13] Rodrigues de Freitas e Joaquim Ferreira Moutinho — O Câmbio do Brasil (Colecção de artigos publicados no Comércio do Porto), Porto, 1886.
[14] Bruno — O Brasil Mental, Porto. Livraria Chardron, 1898.
[15] Anselmo de Andrade — Política, Economia e Finanças (Coimbra, 1926).
[16] César Nogueira — Vultos Operários — VII — Luís Soares — República, 16 de Julho de 1953.
[17] Luciano Cordeiro — I Questões Coloniais, Coimbra. Imprensa da Universidade, 1934.
[18] Présence Africaine, Nouvelle Série, Octobre-Novembre de 1955, Paris.
[19] Conde de Casal Ribeiro — Discurso proferido na Câmara dos Pares na sessão de 4 de Julho de 1891.
[20] Parecer das Contas Gerais do Estado, de 1953, Diário das Sessões, n.° n, 17 de Novembro de 1950.
[21] Rebelo da Silva — Discursos na Câmara dos Pares, nas sessões de 29 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1892.
[22] Étude sur Ia situation économique de 1'Europe en 1953, Nations Unies, Génève, 1954, págs. 167-174. [23] Marcelo Caetano — Os Nativos na Economia Africana, Coimbra Editora, 1954.
[24] A. Ayres de Gouvêa, Bispo de Betsaida — Discurso Proferido na Câmara dos Dignos Pares do Reino, nas sessões de 23 e 25 de Junho de 1891 (Lisboa, Imprensa Nacional, 1891).
[25] Delgado, Historia de Angola, Lobito, 1953.
[26] Câmara Leme — Discurso acerca do tratado Luso-Britânico. Pronun­ciado na Câmara dos Pares do Reino na Sessão de 9 de Junho de 1891.
[27] Basílio Teles — Do Ultimatum ao 31 de Janeiro, Livraria Chardron, Porto, 1905.
[28] Hintze Ribeiro — Portugal e Inglaterra. As Negociações do Tratado sobre os Domínios de África. Discursos proferidos na Câmara dos Pares do Reino em sessão de 9 de Junho de 1891.

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (7)


O ULTIMATUM

Dum lado fica a monarquia, com a sua velha aliada, a Inglaterra, que não quis repudiar. Do outro lado, fica a nação, contra a Inglaterra e contra a monarquia.
(João Chagas e Ex-Tenente Coelho — História da Revolta do Porto)

Procurámos salientar, nas páginas anteriores, os prin­cipais pontos de apoio da minoria dominante: baixo nível de vida do Povo, valor das nossas riquezas naturais como garantia à penetração do capital estrangeiro, e capacidade do Brasil como elemento de compensação dos défices comercial e financeiro.
Mas se é verdade que, relativamente a um país de economia depressiva como a nossa, a Inglaterra, a Bélgica, a Alemanha, a França, países industrializados, se comporta­vam afinal como componentes de um todo, absorvente, a Europa Ocidental, também não podemos abstrair dos con­flitos que necessariamente surgiram entre eles e connosco. Todos precisavam de abrir caminho à sua expressão impe­rialista, que efectivamente se concretiza, só no último quartel do séc. XIX, seu período áureo, pelos seguintes números:
Inglaterra — absorve, de 1875 a 19o0, 5 milhões de milhas quadradas e uma população de 90 milhões, consti­tuindo em 1900 um império com mais de 13 milhões de milhas quadradas e 370 milhões de habitantes; França — absorve, de 1884 a 1900, 3 milhões e meio de milhas quadradas de território (não contando o Sara) com cerca de 40 milhões de habitantes; Alemanha, sob o novo império, 1 milhão de milhas quadradas e 17 milhões de habitantes; Bélgica — 68 338 milhas quadradas.
Luciano Cordeiro (ver [17], pág. 494), discursando na Câmara dos Deputados, na sessão de 14 de Junho de 1885, em defesa da posição tomada como principal perito da delegação portuguesa à conferência de Berlim, sintetizava assim a questão do expansionismo da Europa Ocidental: «Excesso de população, excesso de produção: estes dois factores fundamentais de colonização moderna agitavam fortemente a economia e a política do velho mundo europeu, à maior parte do qual, diga-se de passagem, faltava um terceiro termo, que há-de emparelhar-se àqueles, e que nós possuímos, sem ter sabido aproveitá-lo até agora: excesso de territórios».
E é curioso verificar como estas palavras de há setenta anos contêm já o essencial da célebre teoria do espaço vital, invocada sistematicamente por Hitler...
Na realidade, não era a Europa Ocidental como con­junto de países com os seus problemas nacionais, autênticos, que estava em causa; nem o expansionismo imperialista pode ser justificado com o argumento de necessidade impe­riosa de colocar um excesso de população e um excesso de produção.
O expansionismo imperialista foi imposto por um certo tipo de economia, o capitalismo, para conquistar novos mercados e novas fontes de matérias-primas e, a partir dessas conquistas, obter uma exploração económica mais vantajosa ainda.
A argumentação de Luciano Cordeiro envolve, pois, uma redução de imperialismo a uma política, compreensiva, de salvação nacional (para cada um dos países industria­lizados); quando é certo que o imperialismo foi apenas uma política, violenta, de salvaguarda dos interesses da classe economicamente dominante de cada um deles.
Por outro lado, só uma política de grandeza, cobertura natural do expansionismo, parecia capaz de fazer esquecer os perigos que então ameaçavam as classes conservadoras da Europa e que também se sentiam em Portugal.
Num discurso notável (ver [24], pág. 19), na sessão de 23 de Junho de 1891, dizia o Bispo de Betsaida: «Sr. presidente, este fim de século!, este fim de século avança prenhe de ameaças e de surpresas. Quem tem alguma coisa que perder necessita muito acautelar-se. Ele suscita e propõe problemas de governação e de constituição social, mais embaraçosos e transcendentes do que tudo quanto os polí­ticos práticos podiam antever e delinear: e se os não herda resolvidos ao futuro, lança-lhos em desafio imperioso».
E, fazendo uma alusão às classes trabalhadoras, centro dos novos problemas, e às suas comemorações do 1.° de Maio, acrescenta (ver [24], pág. 19): «Passando palavra entre si, com uma organização oculta, que era desconhecida, viu a Europa, viu a América, direi ao justo, assistiu todo o mundo culto ao primeiro ensaio de um recenseamento geral da classe operária».
Mas, para onde canalizar o ímpeto expansionista?
Revertamos a Luciano Cordeiro (ver [17], pág. 494): «A América do Norte defendia-se do segundo (do excesso de produção) com as suas tarifas rudemente proteccionistas.
«A Ásia estava fechada em parte, nas suas civilizações cristalizadas, e assoberbada quase exclusivamente no resto pela preponderância inglesa. O Pacífico e a própria América do Sul opunham resistências organizadas ou delongas e contrariedades enormes à criação e expansão de novos mer­cados consumidores».
«Restava a África...»
Surge, assim, o problema da partilha do Continente Negro, cujas riquezas naturais, cujos recursos de mão-de-obra, nós, portugueses, fôramos os primeiros a conhecer, pois só de Angola e Congo devemos ter embarcado, no período de 1486 a 1641, o número aproximado de 1 389 ooo negros, à razão de 9 ooo por ano (ver [25], vol. III, pág. 445). A ocupação da África fez-se, como era natural, ao longo das suas grandes vias de penetração — pelo Norte, o Nilo, pelo Ocidente, o Zaire ou Congo, e finalmente o Zambeze, pelo Oriente. De modo que estes três rios constituíram, de facto, «as largas brechas, os majestosos portais destinados a receber o assalto decisivo da civilização e do comércio» (ver [17]).
E como o Zaire ou Congo, por um lado, e o Zambeze, pelo outro, serviam hinterlands directamente dependentes de Portugal, foi aí também que surgiram os nossos mais graves conflitos com as potências industrializadas da Europa Ocidental, em concreto, a questão do Zaire, e, depois, a questão de entre o Zambeze e o Niassa, que conduziu pre­cisamente ao Ultimatum. Ordinariamente, quando se fala da questão do Zaire, entende-se apenas um conflito com a Inglaterra, mas importa esclarecer que houve também uma questão do Zaire com Roma.
«Precisamente, havia, e não deixou de haver, uma questão do Zaire com Roma, como havia a questão do Zaire com a Inglaterra. Creio que nem todos sabem isto», dizia Luciano Cordeiro em 16 de Junho de 1886 (ver [17], pág. 548). Filiava-se essa questão nas dificuldades ao exercício do direito de padroado em África, dificuldades essas que vinham afinal duma época muito mais recuada do que o séc. XIX.
Não é segredo para ninguém que a Santa Sé levou cerca de trinta anos a reconhecer a independência de Por­tugal, e as relações entre as duas potências atravessaram fases tão agudas, que até chegou a pôr-se a hipótese da um cisma...
Foi precisamente no último ano da dominação cas­telhana que a Propaganda Fide deu os primeiros passos para a criação da prefeitura do Congo (Zaire) sem audiência do padroado, reincindindo-se nesse caminho, mesmo depois de Portugal ter recuperado a sua soberania. E há referências à organização de uma nova missão ao Congo com nada menos de 1 arcebispo e 30 missionários castelhanos e italianos (ver [17], pág. 232, e 233)!
Tanto basta para documentar como eram antigas as nossas dificuldades com a Santa Sé e, nomeadamente, com a Sagrada Corporação de Propaganda Fide, donde uma questão do Zaire com Roma.
Ao lado da questão do Zaire com Roma há, porém, uma questão do Zaire com a Inglaterra em que esta potência age, ora em convergência de interesses com a Bélgica, a França e a Alemanha, ora em conflito com elas, mas sempre levantando dificuldades ou demorando o mais possível qualquer reconhecimento efectivo de direitos portugueses preferenciais.
É certo que, pelo tratado de Londres, de 26 de Feve­reiro de 1884, era dada finalmente alguma satisfação às nossas pretensões. Mas, o facto de a região do Zaire ou Congo, tão importante para a penetração em África, ser um ponto de convergência dos imperialismos inglês, belga, francês e alemão, ao que ainda se deve acrescentar as intromissões da Propaganda Fide, fez daquele tratado um simples pedaço de papel sem valor efectivo para nós.
Assim, em Março de 1884 já o governo inglês se considerava impossibilitado de discutir e ratificar aquele tra­tado, e para isso alegava as dificuldades encontradas junto da França e principalmente da Alemanha.
Do choque de todos esses imperialismos resultou, porém, a conferência de Berlim, de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, que consagrou a partilha da África por esses mesmos imperialismos.
Entre as resoluções da conferência figuram o reco­nhecimento do Estado Livre do Congo, grande colónia da Bélgica (1), a inutilização do tratado luso-britânico (ou de Londres), além de tudo quanto implícita ou explici­tamente encarava Portugal apenas como potência detentora de excesso de territórios.
O «novo direito colonial» saído dessa conferência não passou de um conjunto de fórmulas jurídicas imaginadas precisamente com o fim de «legalizar» a ocupação efectiva indispensável ao expansionismo imperialista. Estávamos nessa altura na sua fase ascensional para a qual éramos nós os menos preparados; íamos entrar numa luta de carácter económico violentíssima, tendo, na África no próprio campo da disputa de influências, excesso de territórios, e faltando-nos, na metrópole, o elemento propulsor fundamental — uma indústria ávida de mercados e de matérias-primas.
Possuidores de vastos domínios coloniais, mas diminuídos, na metrópole, pelo desgaste constante de uma economia depressiva, de país colonizado também, era sobre nós que ia cair o maior peso da partilha do Continente Negro pelo imperialismo europeu. Desenha-se, então, em todo o nosso país, uma reacção contra esse imperialismo e, em especial, contra o imperialismo inglês, resultando finalmente do avolumar dessa reacção o movimento patriótico contra o Ultimatum de 11 de Janeiro de 1890. Mas é preciso distin­guir nessa reacção global aquilo que nasce do sentimento popular daquilo que se insere nas preocupações da classe dominante.
Efectivamente, vivendo o nosso país em regime de economia depressiva, como já tivemos ocasião de mostrar, havia uma cisão profunda entre os interesses da grande maioria da população — sector colonizado — e os interesses da classe dominante — sector colonizante.
Se, para os primeiros, os progressos do imperialismo europeu se traduziam num acréscimo de pressão colonizante, para os segundos, eles implicavam um perigo muito grave — o de pôr a nu os seus compromissos com o próprio impe­rialismo que eram obrigados a combater... Tenhamos bem presente que era um mesmo conjunto de imperialismos — A Europa Ocidental — que actuava em África e ao mesmo tempo fazia a penetração económica na metrópole.
Estava assim criada no País uma predisposição para qualquer tarefa de esclarecimento dos verdadeiros problemas do nosso povo e eram cada vez mais lúcidas as palavras de ordem dos elementos mais representativos do pensamento português, como, por exemplo, Teófilo Braga.
Foi ele que verdadeiramente formulou a questão do regime como condição prévia da questão nacional. E o Centenário de Camões, em 1880, de que ele foi grande animador, é a consagração popular da ideia republicana como princípio informador da independência nacional.
É então, e por activa intervenção de Teófilo Braga, que a questão nacional começa a formular-se em termos de República.
Revertendo agora à classe dominante da época que se seguiu imediatamente à Conferência de Berlim, temos de a contemplar impelida, por um lado, pela necessidade de evitar qualquer ruptura nas suas ligações metropolitanas com o imperialismo e, por outro lado, pela necessidade de desviar para o plano colonial os movimentos patrióticos latentes no País.
E é na acção simultânea destes dois factores de neces­sidade que nos parece estar a explicação mais aceitável da política de grandeza delineada pela classe dominante logo a seguir à conferência de Berlim.
Consistia essa política, pelo que respeita às suas inci­dências directas na crise Ultimatum — 31 de Janeiro, em «unir Angola a Moçambique», e é para atingir esse objectivo que o Ministério dos Estrangeiros negoceia, em 1885 (2), o tratado da Guiné com a França, e em 1886 (3), o tratado de limites na África Ocidental com a Alemanha.
Mas, como diz Hintze Ribeiro (pág. 46): «Aconteceu que, negociando nós com a França os limites da Guiné, a França que tinha formalmente a peito ficar com Zanguicher e Casamansa, que aliás inegavelmente nos pertenciam, não teve dúvida em, para isso, nos reconhecer, por sua parte, o nosso direito de expansão de Angola e Moçambique; tanto mais que nem títulos nem pretensões tinha aos territórios que assim se estendiam de uma a outra costa, e que não só se não comprometia a tornar efectivo, o nosso direito, mas expressamente ressalvava o direito que outra qualquer potência ali julgasse ter».
E Hintze Ribeiro conclui: «Daí, desse reconhecimento da França, o nosso primeiro mapa cor-de-rosa, em que os nossos domínios se estendiam, unidos, do ocidente ao oriente».
Relativamente às negociações com a Alemanha, diz Hintze Ribeiro: «...também a Alemanha, para que lhe cedêssemos toda a região que vai do cabo Frio ao Cunene, que já antes ela reconhecera como nossa, não tem dúvida em, por seu lado, e sob a mesma ressalva de direitos de terceiro, nos deixar livre a expansão pelo interior da África, onde ela nada tinha, de uma a outra costa».
E daqui nasceu «um segundo mapa-cor-de-rosa, e sobre ele adormecemos na fé do vasto empório que possuíamos de um e outro lado da África».
«Simplesmente nos esquecemos da Inglaterra».
«Despertámos um dia, do enganoso sonho em que nos embalávamos, fagueira visão que nos sorria às tradições do passado; despertámos com um ultimatum violento».
E Hintze comenta: «Era a Inglaterra que abria o caminho do Cabo para o Cairo». «Era a onda dos empreen­dimentos modernos que se alastrava, em parte, sim, sobre os pergaminhos da nossa história, mas também, e em muito, sobre as ilusões que tínhamos acerca de um domínio que em tempo não firmáramos,... e que já era tarde para defen­dermos».
O Ultimatum, de 11 de Janeiro de 1890, situava-se efectivamente «na onda dos empreendimentos modernos», forma velada de designar o imperialismo inglês.
Os territórios que a Inglaterra assim arrancava à posse de Portugal estavam situados na África Oriental, num dos extremos do mapa-cor-de-rosa, entre o Zambeze e o Niassa, para os lados donde já nesse tempo luzia o ouro...
Câmara Leme (ver, pág. 9) deu, na Câmara dos Pares, na sessão de 9 de Junho de 1891, em que negou o seu voto ao tratado luso-britânico, a esse respeito os seguintes ele­mentos (transcrito do Times): «A estatística comparativa do rendimento das colónias do Cabo da Boa Esperança, durante os meses de Abril de 1890, mostra um aumento de £ 50 639 para o mês de Abril último, sendo o rendimento no mês de Abril de 1890 de £ 430 223».
«O rendimento dos dez meses últimos foi, na mesma colónia, de £ 3 691 990.»
«O rendimento total nas minas do Transval, nos três primeiros meses deste ano, foi de £ 197 412.»
E o deputado comenta: «De modo que a nossa fiel aliada leva-nos a matéria-prima que envia para o Banco de Portugal cunhada em libras esterlinas».
O Ultimatum era a maneira forte, brutal, de nos impor um circuito de exploração económica que começando na extorsão da própria «matéria-prima» — o ouro para as libras de cavalinho — acabava no nosso mais valioso produto de exportação, o emigrante» — a moeda com que pagávamos os empréstimos em libras.
Perante a acção da Inglaterra, a classe dominante encontrou-se inteiramente isolada da Nação.
Dá-se então uma verdadeira mobilização da consciên­cia nacional, realizando-se em todo o País, e especialmente em Lisboa, manifestações grandiosas, em que participam largamente a pequena burguesia, os estudantes e as massas operárias. E essas manifestações dirigem-se ao mesmo tempo contra a Inglaterra e contra o governo da monarquia.
Este, porém, aceita as condições impostas pelo impe­rialismo inglês, e mudando embora de representantes, inicia uma série de medidas antidemocráticas, de repressão das manifestações, mostrando assim que a sua maior preocupação era impedir que o Povo reduzisse a uma causa única — o imperialismo — os acontecimentos em África e a sua situação de miséria na metrópole.
Fazer essa redução, dar esse passo no sentido do escla­recimento das verdadeiras causas da economia depressiva do País, seria tomar consciência das ligações de dependência entre a minoria dominante e o próprio imperialismo e, portanto, pôr em dúvida a legitimidade da Monarquia como intérprete do interesse nacional, abrindo caminho à revolução.
Mas, num país subdesenvolvido como o nosso, com tão reduzida percentagem da população empregada no sector industrial e com uma pequena burguesia ainda tão desinte­ressada dos grandes problemas filosóficos e científicos da civilização industrial, num país assim distanciado da Europa Ocidental, não era de esperar que se fosse mais longe, até à transformação de um sentimento colectivo, nacional, num movimento revolucionário contra a classe dominante. E, efec­tivamente, o Ultimatum não foi seguido da queda da Monarquia.
É, no entanto, no Porto, única cidade industrial do País, que, em resultado de um memorável comício, realizado no Teatro Príncipe Real (actual Sá da Bandeira), a 26 de Janeiro de 1891, se organiza a Liga Patriótica do Norte, considerada por Basílio Teles «a única tentativa séria de traduzir num pensamento e num propósito conscientes os alvitres desconexos e os protestos espontâneos provocados pela surpresa do ultimatum» (ver [27], pág. 163).
Mas a Liga, minada pela acção desagregadora dos ele­mentos reaccionários, não durou muito tempo, apesar de iniciada com tanto entusiasmo e do prestígio que lhe davam Antero de Quental, como presidente, e Sampaio Bruno e Basílio Teles, como secretários, ao lado de tantas e tantas personalidades de valor, nas letras, na ciência, nas artes, etc.
Basílio Teles procurou uma explicação para a disso­lução, tão rápida, da Liga Patriótica do Norte, e não deixa de ser interessante registar aqui as suas palavras: «Isto significa uma grande verdade, tantas vezes esquecida pela História — que nas épocas de aguda crise, só um partido, pela limpidez dos seus princípios, pela força da sua organi­zação e disciplina, é susceptível de salvar uma pátria, refreando os insofridos, desviando os pusilânimes, abatendo os intri­gantes».
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(1) O seu valor actual exprime-se por estes números: 70 % da pro­dução mundial de diamante industrial, 75 % da produção mundial de cobalto postos à disposição das indústrias de guerra americanas por intermédio da União Mineira; 70 % de urânio extraído no mundo, todo entregue aos Estados Unidos (ver [18], pág. 84).
(2) Representado, então, por Barbosa du Bocage.
(3) Representado, então, por Barros Gomes.

Monday, October 18, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (6)

COM O BRASIL

Foi esse ouro que sugeriu aos governantes a ideia de fazer dos emprés­timos recurso ordinário, e normal, em certo sentido da administração pública; foi ele que animou a agiotagem, nacional e estrangeira, a emprestar, ainda e sempre, a governos portugueses sob hipoteca de determinados rendimentos; é ele, enfim, que satisfaz neste momento aos pesados encargos contraídos (1).
(Basílio Teles)
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Ao contrário da balança comercial com a Europa Ocidental, fortemente deficitária, a balança comercial com o Brasil era largamente superavitária.
Assim, em 1880 exportávamos para o Brasil um valor correspondente a 25 % do total das nossas exportações (2) e recebíamos de lá apenas 7 % do total das importações. Em 1893 a situação tornou-se ainda mais favorável para nós, pois aquelas percentagens foram, respectivamente, de 30,5 % e 6,30 % (3).
Fica assim documentado o carácter superavitário das nossas trocas comerciais com o Brasil e, portanto, um dos motivos por que esse país desempenhou um tão decisivo papel na política da minoria dominante.
Mas é necessário acrescentar ao excedente da nossa balança comercial com o Brasil, como nova fonte de divisas-ouro, bem mais importante, o valor anual de um produto de exportação que não é costume incluir nas trocas comer­ciais propriamente ditas — os nossos emigrantes.
Pois eram os cheques por eles remetidos, via Londres, que, associados ao superhavit da balança comercial com o Brasil, e muito especialmente ao regime de subconsumo da nossa população, permitiam à minoria durar economica­mente (4).
E o mecanismo era este: com o Brasil, ou melhor, com os emigrantes pagavam-se os compromissos dos emprés­timos levantados na Banca Ocidental sob caução de bens e rendimentos nacionais; com o produto dos empréstimos mantinha-se o regime de subconsumo do país e, ainda por cima, alimentava-se aquele quantum de progresso que até reforçava os factores de resistência das classes conservadoras em face das massas operárias e da pequena burguesia.
Era, ainda, daquele volume de empréstimos caucio­nados pela penetração do capital estrangeiro, pelos cheques dos emigrantes e pelo baixo nível de vida que saíam as «receitas extraordinárias» para cobertura das finanças da Monarquia.
O défice é, efectivamente, outra constante da política da minoria dominante, atingindo na gerência 1889-1890 a soma impressionante de 14 950 contos juntamente com uma dívida pública de valor nominal de 592 mil contos (5) (ver [5], pág. 424).
Era tudo isto que certamente desejava exprimir o Conde de Casal Ribeiro, ao afirmar na Câmara dos Pares em 4 de Julho de 1891: «Nós temos hoje entre os povos europeus mais de uma triste supremacia, temo-la em matéria de défice, em desequilíbrio de comércio, em matéria de dívida pública, ou se compare com a população, ou com o rendi­mento do tesouro».
E a preocupação demagógica de apresentar um orça­mento equilibrado dentro de um tal condicionalismo económico conduzia a coisas como esta: «A associação comercial de uma importante cidade portuguesa sugeriu o conspícuo alvitre de que se passe a capitar cada emigrante em vinte mil réis de multa» (6); do mesmo modo que, em 1888, o ministro da Fazenda, Mariano de Carvalho, recorreu ao célebre decreto das licenças como fonte de receitas!
No próprio ministério das Finanças eram tais os mala­barismos para se conseguir esconder (7) o défice perma­nente, que «se inventou uma palavra para designar o crime de falsificar a escrituração pública, e que se chama amavel­mente rindo, de orçamentalogia». E o insuspeitíssimo Anselmo de Andrade exprime-se em termos idênticos — «cada orça­mento novo é sempre, entre nós, uma máscara também nova num perpétuo carnaval financeiro» (8).
Na realidade, o que mantinha a classe dominante era a máquina aspirante-premente dos impostos e empréstimos, uns e outros arrancados, de facto, ao Povo Português — trabalhando aqui ou no Brasil como emigrante — mediante as facilidades dadas à penetração do capital estrangeiro.
Consequentemente, quando havia uma redução subs­tancial na remessa de cheques dos «brasileiros», como sucedeu a seguir à proclamação da República do Brasil em 15 de Novembro de 1889, ou se dava uma retracção de crédito junto da finança da Europa Ocidental, por incidência da própria política internacional, entrava em crise o mecanismo em que se apoiava a minoria dominante.
E, actuando simultaneamente as duas causas, podia chegar-se à bancarrota...
Foi precisamente o que sucedeu em 1891-1892: por um lado, a guerra civil no Brasil, em que Portugal apoiou os elementos mais reaccionários, criou dificuldades ao envio dos cheques via Londres e, por outro, a falência da casa Baring Brothers, banqueiros da Monarquia, fechou-nos as portas a novos empréstimos. Deu-se a derrocada financeira.
-
(1) Ver [7], pág. 307.
(2) Ver os números dados.
(3) Exportação total: 32 408 contos. Importação total: 113 571 contos.
(4) Actualmente, o Brasil não conta como fonte de divisas, embora permaneça no primeiro lugar como centro de atracção da nossa grande emigração.
Há, porém, uma outra emigração, que está a suprir a do Brasil como fonte de divisas — é a emigração, de Moçambique para a África do Sul e o Transval e a de Angola para o Congo Belga. Assim, os negros emigrados de Moçambique (cuja população negra é de 5 640 363) andam por meio milhão e cada um deles rende por ano cerca de 30 libras, o que dá um total de mais de um milhão de contos (ver [23], pág. 38).
(5) Segundo o Anuário Estatístico das Nações Unidas para 1954, os défices em 1953 e 1954 foram, respectivamente, de 1 039 ooo e 1 546 400 contos, em correspondência com uma dívida pública de 11 120 400 em 1953. E no próprio orçamento para 1956 figuram 1 270 300 contos cuja cobertura será obtida por meio de empréstimo e venda de títulos.
(6) [2] pág. 421.
(7) [2] pág. 421.
(8) [15].

Saturday, October 09, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (5)


AS RELAÇÕES ECONÓMICAS DE PORTUGAL COM A EUROPA OCIDENTAL E COM O BRASIL

Podemos dizer que um pais está colonizado, quaisquer que sejam as formas jurídicas que cobrem a sua alienação, quando é obrigado a trocar as suas riquezas naturais e o seu trabalho por bens de consumo.
(Marcel Willems)

COM A EUROPA OCIDENTAL
Sendo Portugal, na segunda metade do séc. XIX, um país subdesenvolvido, com cerca de dois terços da sua população activa empregados na agricultura e com predo­minância do desenvolvimento das actividades não directa­mente produtivas no terço restante, era fatal que nas nossas relações económicas com a Europa Ocidental funcionássemos, quanto à exportação, como fonte de produtos do solo e, quanto à importação, como mercado de produtos manufacturados e géneros de alimentação.
Efectivamente, é desse tipo a balança comercial de um país subdesenvolvido com um país industrializado.
Dão a esse facto grande relevo todos os economistas que se debruçaram mais detidamente sobre essa caracterís­tica do nosso comércio externo, como Oliveira Martins, Anselmo de Andrade e Basílio Teles.
Mas vamos concretizá-lo, tomando os dados coligidos por Oliveira Martins para o ano de 1880 (ver [3], II Esta­tística de Portugal) e as indicações de Rebelo da Silva (ver [21]) para o próprio ano de 1890. Esse conjunto de elementos documenta a economia portuguesa como uma economia-tipo de país colonizado.
Segundo o primeiro daqueles estudos, apresentamos, para um total de 20 ooo contos de mercadorias exportadas e como principais artigos:

Vinhos do Porto: 7 ooo contos
Cortiça: 2 800 contos
Gado: 2 000 contos
Frutas e legumes : 1 800 contos
Minérios: 2 000 contos


E, para um total de 32 ooo contos de mercadorias importadas, 19 ooo (6o %) de matérias-primas e produtos manufacturados e 13 ooo (40 %) de produtos de alimentação.
Estes números permitem as seguintes conclusões: 1) um comércio externo mantido pela troca de riquezas naturais por bens de consumo (país colonizado); 2) pesado défice da balança comercial; 3) elevada percentagem de importação de produtos de alimentação revelando uma acen­tuada insuficiência da produção agrícola nacional, apesar de haver um largo excedente da população activa na agricultura (de facto, em regime de desemprego latente ou subemprego).
Os números citados por Rebelo da Silva, no discurso proferido na Câmara dos Pares, nas sessões de 29 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1892, reforçam aquelas conclusões, conforme o seguinte quadro:

1889: 41 812 (Importação), 23 343 (Exportação)
1890: 44 423 (Importação), 21 536 (Exportação)

a que correspondem défices (1) de 18 ooo e 22 900 contos. E a discriminação das importações dá 8 ooo de produtos de alimentação assim distribuídos (2):

Manteiga, mais de 400 contos
Trigo e milho, mais de 4 000 contos
Açúcar, mais de 2 ooo contos
Azeite, mais de 400 contos
Legumes, batatas, mais de 1 200 contos

Mas estas conclusões não dão ainda o quadro exacto da nossa qualidade de país colonizado (em relação à Europa Ocidental).
Falta acrescentar as trocas de trabalho por bens de consumo e o reforço de dependências económicas resultante do jogo da balança de pagamentos. Quem se destaca do conjunto Europa Ocidental como maior potência colonizadora é precisamente a Inglaterra, cabendo-lhe logo na balança comercial (naquele mesmo ano de 1880) nada menos do que 44 % da totalidade das importações e exportações.
Eram, então, inglesas quase todas as firmas exportadoras de vinho do Porto, tendo chegado a existir nesta cidade uma feitoria inglesa (3) hoje com a designação oficial de Associação Britânica, símbolo dos privilégios dados à Inglaterra e que, pelo Tratado com Portugal, de 19 de Fevereiro de 1810 (Art. 25), se traduziam por cláusulas de exclusivo como estas (4): «que a nenhuma outra nação fosse permitido possuir tais feitorias; e que todas as companhias comerciais portuguesas privilegiadas fossem abolidas em Portugal».
É ainda elucidativo recordar que a Inglaterra tinha feitorias espalhadas por todo o mundo (5), contando-se, entre elas, as de Moscovo, Constantinopla, Cádis, Porto, Rio de Janeiro, Pernambuco, Baía, Pará e África.
Eram inglesas as firmas exportadoras de cortiça, e os minérios (pirites de cobre) provinham das minas de S. Domin­gos, concedidas a firmas inglesas.
As minas da Panasqueira, cuja produção se situa actualmente entre as das primeiras do Mundo ([11], pág. 422), foram concedidas no ano de 1898 a uma sociedade inglesa, Wolfram Mining Company in Portugal, que teve a finan­ciá-la o Banco Burnay, de capitais belgas, e que tão impor­tante papel desempenhou na política da Regeneração.
É ainda do mesmo ano a concessão das minas de cobre de Aljustrel, à Société Anonyme Belge des Mines d'Aljustrel, e o Banco Burnay aparece ligado a muitas outras explorações mineiras (Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, etc.).
Pelo que respeita à Fiação de Tecidos de Algodão (ver [12]), a Inglaterra, em 1880, ainda concorria vantajosa­mente com os produtos nacionais, tinha o monopólio da linha de coser e introduzia 800 ooo peças de pano cru das 840 ooo que se precisavam (segundo [12]).
E em 1889 começa a laborar no Porto a fábrica Graham, de tecidos de algodão, ainda hoje mais conhecida pela designação de Fábrica dos Ingleses. Os principais caminhos-de-ferro — linhas do Norte e do Leste — eram franceses, e os fretes de navegação iam cair todos nas mãos de firmas inglesas, insignificante como era a nossa marinha mercante (ver [3], págs 164 e 148).
São estes elementos todos, associados às caracterís­ticas da nossa balança comercial, que revelam a fisionomia de Portugal como país colonizado, sendo ao capital belga e ao capital inglês que cabe maior importância na penetração do capital estrangeiro.
O comércio com as colónias estava também na depen­dência da Europa Ocidental, como indicam os números relativos ao ano de 1873 (ver [3], pág. 180): soma total da exportação e importação:

Com a metrópole: 1 125 contos
Com o estrangeiro: 7 335 contos

Registemos, ainda, que o ano de 1890, ano de ponta na emigração, é também um ano de ponta no défice da balança comercial: sendo de 12 000 em 1880, sobe naquele ano para 23 ooo (ver [5], pág. 424).

(1) Ou 27 ooo, se juntarmos a importação de ouro e prata.
(2) Mesmo ao nível de consumo actual, Portugal continua a apre­sentar um défice considerável de produtos alimentares; cerca de 20 % do total das importações em 1951 foram para produtos alimentares.
São particularmente baixos os consumos de: leite, manteiga e carne, não atingindo a capitação anual de leite (líquido) 6 litros (ver [22] pág. 167). Quanto à composição das exportações, observam-se, ainda hoje, características análogas às do século passado, sendo os produtos principais — cortiça, resinosos (conservas de peixe), metais não-ferrosos e vinhos do Porto. E a balança comercial da metrópole continua altamente deficitária (mais de 3 milhões de contos de défice em 1953).
(3) Ver [10], pág. 37-40.
(4) Ver [10], pág. 38.
(5) Ver [10], pág. 38.

Wednesday, October 06, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (4)

A CIDADE DO PORTO

Enquanto que Portugal se apresentava como país subdesenvolvido, agrícola e comercial, dada a irrelevância, já documentada, do sector secundário como factor de absor­ção do excedente de mão-de-obra do sector primário, o distrito do Porto e, especialmente, a sua capital, tinham uma estrutura de outro tipo.
Na verdade, segundo um inquérito feito por uma comissão composta por Oliveira Martins e mais três indus­triais portuenses (ver [6], pág. 416), em 1881, para uma população de 108 346 habitantes, havia no Porto 37 377 que viviam de uma actividade industrial. Quer dizer, o Porto era já em 1881 um centro fabril, com um sector secun­dário abrangendo um terço da sua população total, emer­gindo de um País onde só contavam os sectores primário e terciário! E em 1890 e em 1900 ainda mais se acentua este predomínio da indústria, que chega a constituir 50 % da população.
O Porto do séc. XIX é, pois, uma cidade industrial — a única cidade industrial do País — e certamente aí reside a explicação autêntica do seu carácter de caso à parte, tanto no domínio do pensamento prático como no domínio do pensamento especulativo.
A sua indústria «dava trabalho a 8o ooo pessoas, ren­dimento a 9 500 contos de réis de capital, e representava, no conjunto dos seus produtos, o valor de 15000 contos» (ver [6], pág. 416).
Porém, estes números impressionantes não significam que fossem de um certo nível as condições de vida das massas operárias. Eram até miseráveis, o que novamente nos coloca perante as consequências de um certo progresso técnico em regime de economia depressiva.
Nessa época recuada, há 75 anos, as duas indústrias mais importantes do Porto eram: Fiação e Tecidos de Algodão, com 31420 operários (10516 homens, 5186 menores e 15 718 mulheres) e os Tabacos, com i 245 operários (543 homens, 298 menores e 404 mulheres), segundo os dados do Inquérito (ver [6], pág. 414-415).
Na Fiação, os jornais (1), iam de 240 rs. a 500 para os homens, de 20 a 240 para os rapazes, de 8o a 240 para as mulheres e de 20 a 150 para as raparigas. E nos Tabacos, de 260 a 500 para os homens e de 40 a 240 para os rapazes.
Quanto ao horário de trabalho ia de sol a sol e às vezes ainda entrava pela noite dentro.
Mas fixemos bem esta passagem do Inquérito ([6], pág. 194, 195): «Crianças de ambos os sexos, desde os 7, desde os 8, desde os 9 anos, são obrigadas a um trabalho que começa com o dia e, se de verão acaba com ele, de inverno protrai-se até às 8 horas da noite. Em regra, tudo é analfabeto, habitualmente as mulheres passam de mão em mão. Um fabricante disse-nos que em vendo um operá­rio a ler punha-o na rua, outro que na sua fábrica as mance­bias começavam aos 13 anos. Confessou-se-nos tudo isto de um modo natural e simples».
Este trecho mostra que os operários não eram tratados como seres humanos; comprava-se-lhes a força de trabalho como qualquer outra mercadoria obedecendo à lei da oferta e da procura. Aquela era abundante e, portanto, barata (2).
Mas os operários reagiam contra este regime de tra­balho por intermédio das suas associações de classe, da sua organização partidária, socialista, e fazendo os seus movi­mentos reivindicativos do horário das 8 horas.
Nessas acções de massas destacam-se dois elementos que, além disso, também estão ligados às movimentações do Ultimatum — 31 de Janeiro.
Um deles é Viterbo de Campos (3), natural da fre­guesia da Vitória, da Cidade do Porto, marceneiro, que já em 1878, com menos de 20 anos, participava nas sessões do Congresso Socialista, na sede da antiga Associação dos Trabalhadores, à Pontinha, donde saiu uma só organização sob o nome de Partido dos Operários Socialistas Portugueses.
Em 1889, foi escolhido para representar as associações operárias do Norte de Portugal no Congresso Internacional realizado em Paris, e daí em diante Viterbo de Campos ingressa na corrente marxista. Representou também o seu partido na Liga Patriótica do Norte, constituída no Porto sob a presidência de Antero de Quental, logo após o Ulti­matum. Outro destacado militante foi Luís Soares, serra­lheiro, natural de Vale de Cambra, distrito de Aveiro, e que exerceu vários cargos desde 1885 (ver [16]).
Em 1887, deu-se no Porto o primeiro movimento grevista, dos manipuladores de Tabacos (ver [9]). Esta greve prolongou-se desde 15 de Março a 3 de Abril, e durante estas semanas sucederam-se os comícios, na Praça do Marquês de Pombal (antigo Largo da Aguardente) e no Monte Aven-tino (antigo Monte das Antas). Chegaram a estar presos, na Cadeia Civil, 160 operários e, no Quartel do Carmo (antigo quartel da Guarda Municipal), esteve a charuteira Blandina de Sousa.
Vieram para a cidade vários regimentos de fora, sob o comando dum general, e chegou a estar ancorado no Douro um transporte de guerra, o índia, para funcionar de cadeia suplementar. Mas, finalmente, os operários conseguiram uma melhoria sensível do seu regime de trabalho.
Em 1888, rebenta outro grande movimento de para­lisação do trabalho, como resistência a uma disposição de lei, da autoria do ministro da Fazenda, Mariano de Carvalho, pela qual os operários tinham de pagar uma licença para poderem trabalhar (ver [8]). Era, afinal, um processo de arranjar receitas para o Estado, quase do mesmo género de um projecto de capitar cada emigrante em vinte mil réis de multa, certamente com o pretexto de diminuir a emigração (ver [2], pág. 421).
Nesta greve, conhecida por greve das licenças e secun­dada pelas classes de Lisboa, teve papel preponderante Viterbo de Campos, resultando da acção de todos a revogação do decreto e a queda do ministro da Fazenda.
O terceiro grande movimento grevista no Porto, o dos tecelões, começou no dia 15 de Maio de 1903, doze anos depois do 31 de Janeiro, e envolveu 30 ooo trabalhadores, transformando-se depois numa greve geral.
Nas proximidades do Ultimatum — 31 de Janeiro, o Porto era, pois, um centro industrial com um proletariado vivendo em baixíssimas condições económicas, mas com dirigentes da categoria de Viterbo de Campos e Luís Soares e uma consciência de classe afirmada já em movimentos reivindicativos da amplitude das greves de 1887 e de 1888.

(1) Como termo de comparação, recordemos que Basílio Teles, em [7], pág. 412), dá, para 1890, os seguintes preços: 1 kg açúcar 226 rs, 1 kg arroz 86 rs, 1 kg. bacalhau 146 rs.
(2) A Fiação de Tecidos de Algodão continua hoje, de longe, a ser a mais importante actividade industrial, quase toda situada no Porto e regiões próximas.
Mas, pelos números vindos a público (jornais de 8 de Janeiro de 1956), o salário médio (diário) não chega a vinte escudos, pois são 500 ooo contos (de salários) por ano para um total de 70 ooo operários.
(3) Ver [8].

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (3)

ALIMENTAÇÃO

O que acabámos de referir é já suficiente para inferir que deviam ser muito más as condições de alimentação da maioria da nossa população.
Mas é possível traduzir nalguns números, e sempre em relação com a Europa Ocidental, a insuficiência da dieta alimentar do Povo Português, especialmente pela sua carência de proteínas de origem animal.
Na verdade, o conhecido economista Anselmo de Andrade (ver [1], Cap. VII, pág. 66), diz concretamente o seguinte: «mesmo que o consumo de todas as carnes seja de 96 milhões de quilogramas em todo o País, Continente e Ilhas, conforme está calculado, não caberiam a cada habitante do Continente senão 18 kg por ano, ou 50 gramas escassos por dia, menos que a ração dos presos na França e na Alemanha, que é de 50 gramas». E é preciso atender, ainda, a que esta média não correspondia a um consumo uniforme por toda a população, mas sim a um mínimo para a grande massa ao lado de um máximo, verdadeira superalimentação, dos economicamente fortes. Até se importava gado (para garantir a alimentação desta minoria), como se verifica, em concreto, pela estatística de 1881 (ver [3], pág. 136). E a produção agrícola era sempre insuficiente para as necessidades da população, havendo naquele ano um défice de produtos alimentares da ordem de 44 % do total das importações (ver [3], pág. 127). Para tornar menos incompleta esta visão retrospectiva das condições de vida do nosso povo, conside­remos agora as tendências dominantes da

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR PROFISSÕES

Fixemos a nossa análise (à maneira do economista Colin Clark) nos três sectores (ver, por exemplo [4], pág. 1765):
Primário — pesca, floresta e agricultura;
Secundário — indústrias extractivas, energéticas e de transformação;
Terciário — transportes, comércio, bancos, seguros, admi­nistração, serviços privados.
É sabido (ver [4], pág. 1765) «que nos países industria­lizados (como eram e são os da Europa Ocidental) e até à Primeira Guerra Mundial, houve uma redução acentuada do sector primário e, paralelamente, aumento em proporções idênticas do secundário e terciário. E só a partir de 1918 é que se dá um afrouxamento no ritmo de aumento do secun­dário acompanhado de uma predominância do terciário».
«O primeiro período corresponde à fase inicial, de instalação, do capitalismo: formação de quadros (terciário) e massa operária (secundário) por maneira a garantir uma produção conducente a lucros elevados».
«O segundo é já o da maior produtividade sem aumento de produção, em que se utilizam os aperfeiçoamentos técnicos e a concentração industrial para conseguir o menor preço sem aumento e, se possível, com diminuição da massa operária (fase descendente do secundário). Isso obriga a desenvolver os serviços não directamente produtivos, criando assim uma classe média assalariada (terciário), que funciona de força de inércia, resistente, socialmente resistente, em face das massas operárias, progressivas por natureza e neces­sidade».
A preocupação de aumento de produtividade é, pois, inseparável de um certo conceito de progresso técnico como elemento de ordem (resistência) social. Vejamos agora como as coisas se passaram entre nós.
Embora o nosso país ainda hoje não pertença à Europa Ocidental, considerada esta como o conjunto dos países industrializados da Europa de economia capitalista (1), é um facto que também nele se verificou, no decorrer do último quartel do séc. XIX, uma redução gradual do sector primário.
Segundo números citados por Anselmo de Andrade ([1], Cap. XXI, e, em especial, pág. 320), de cada mil habi­tantes, estavam empregados na agricultura (sector primário), 800 em 1870, e apenas 610 em 1890. E ele previa uma nova diminuição para 1900, juntamente com um aumento cada vez mais acentuado da percentagem de pequenos comer­ciantes e profissões liberais (uns e outros do sector terciário).
O censo de 1900, que só foi publicado em 1906, mostra, porém, que de 1890 para 1900 o sector primário não sofre diminuição (ou até aumenta), quer o consideremos em relação à população geral ou apenas em relação ao total das pessoas exercendo uma profissão (população activa).
Com efeito, no quadro da população geral temos:
População: 5 049 729 (1890), 5 423 132 (1900)
Primário (2): 3 088 610 (1890), 3 367 199 (1900)
e são
Primário: 1 562 934 (1890), 1 529 035 (1900)

os números em termos de população activa. Mas se formos comparar os diferentes elementos constitutivos dos sectores secundário e terciário, então, o que apresenta maior percen­tagem de aumento, distanciando-se de todos os restantes, é precisamente o comércio. Quanto às profissões liberais, têm uma percentagem de aumento equiparável à da indús­tria, ambas muito longe do comércio.
Efectivamente, os censos de 1890 e 1900 dão (quadro da população geral)

Indústria: 905 017 (1890), 1 034 203 (1900)
Comércio: 244 714 (1890), 332 289 (1900)
Profissões liberais: 83 033 (1890), 95 160 (1900)
e (quadro da população activa)

Indústria: 452 071 (1890), 459 035 (1900)
Comércio: 103 254 (1890) 141 795 (1900)
Profissões liberais: 29 349 (1890), 35 156 (1900)

Quer dizer, enquanto que o comércio apresenta um aumento da ordem de 35%, as profissões liberais não vão além de 14% (quadro da pop. geral) e 19% (quadro da pop. activa), e a indústria anda por 14% (quadro da pop. geral), e cai para 1,5 % no quadro da população activa!
Em resumo, as características da evolução da popu­lação portuguesa no decénio 1890-1900 são: estacionariedade do sector primário, quase estacionariedade do secun­dário (indústria), grande aumento do comércio, principal parcela do terciário (3), e também dos transportes (outra parcela do terciário).
Conclui-se, pois, que no momento Ultimatum — 31 de Janeiro, estamos perante uma Europa Ocidental, industria­lizada, expansionista, em graves condições de dependência económica: dois terços da população empregados na agricul­tura, mas numa agricultura com uma produtividade de trigo quase um quarto da média dos valores de França e Inglaterra (ver [21]), e uma indústria que quase não conta.
Quer dizer, em Portugal a minoria dominante apro­veita o progresso técnico da Europa Ocidental, não para aumentar constantemente a produção em correspondência com um aumento de procura interior, como sucederia se o nível de vida do Povo aumentasse também, mas sim para sobrepor um aumento de produtividade, ou seja, grandes lucros, a uma economia depressiva (subconsumo).
A política de Fontes, ou melhor, a chamada Regene­ração — grande desenvolvimento da viação ferroviária, acti­vidade bancária (em 1873 e 1874 chegaram a formar-se dois bancos por mês (4), etc. — corresponde precisamente a essa sobreposição, caracterizada por aumento do terciário (sobre o secundário) em regime de subconsumo do País em geral.
Podemos dizer que a Regeneração é o equivalente nacional de um certo conceito de progresso como factor de ordem social.
As considerações anteriores são todas nesse sentido, e podemos também recordar que o próprio Fontes andou efectivamente interessado em assegurar essa resistência, preo­cupado com as repercussões entre nós de certos aconteci­mentos políticos na França e na Espanha. Falando na Câmara dos Pares em 19 de Abril de 1871, dizia: «agora que os revolucionários de todos os países procuram desprestigiar o princípio da autoridade em todos os seus representantes, desde os mais elevados até aos mais pequenos, incumbe aos poderes públicos, no desempenho da sua missão, e para salvar a liberdade, que é inseparável da ordem, protestar contra as aberrações dos verdadeiros princípios em que se funda a sociedade civil e política, e pôr uma barreira invencí­vel a quaisquer manifestações, que possam pôr em perigo tão altos e respeitáveis interesses e direitos» (ver [5], pág 400).
E o aparecimento de unidades fabris de certa categoria, nomeadamente na fiação de tecidos de algodão (5), a partir de 1880 (6), ia ser novo factor de ordem pelo progresso, quer dizer, desenvolvimento de produtividade.
Encontramos em [1], pág. 314, estes elementos: «O desenvolvimento dado às nossas indústrias não acom­panha o da população industrial. De 1890 para 1898, o número de operários nas principais indústrias apenas aumenta 4 mil, tendo passado de 13 mil homens e 8 mil mulheres a 315 mil e 10 mil, respectivamente. Houve, porém, indústrias onde o número de operários se reduziu, sendo de notar que uma delas foi a dos tecidos, certamente a mais desenvol­vida. Nessa indústria, desceu o número dos operários de 12 mil a 9 mil, e subiu a força dos motores de 1847 cavalos a 4937».A crise do Ultimatum — 31 de Janeiro vem, assim, coincidir com a sobreposição de produtividade com regime de economia depressiva, que provocou uma ponta na emi­gração para o Brasil e maior procura de lugares no terciário.
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(1) É a classificação adoptada nos relatórios publicados pelas Nações Unidas, nomeadamente no ano de 1954.
(2) Faltou incluir os números (dezenas de milhares) relativos à pesca e caça.
(3) Em 1950 a distribuição dos indivíduos com profissões pelos diferentes sectores era: quase metade no primário, 29 % no terciário e só 23 % no secundário, como consequência de um exagerado afluxo de capitais para aquele (ver Diário de Lisboa, 13-12-1955). Então como agora largo desenvolvimento do terciário e nomeadamente do comércio e trans­portes.
(4) Ver [5], pág. 405.
(5) Citamos esta pela sua importância.
(6) Em 1881 já se destacavam as fábricas Vizela, Companhia Fiação Portuense e Salgueiros (ver [6], pág. 167).

Tuesday, October 05, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (2)

DENSIDADE DA POPULAÇÃO

O censo de 1890 dava a Portugal Continental e Ilhas Adjacentes uma população de 5 049 729 habitantes. Em 1900 contavam-se já 5 423 132. Ora, estes números corres­pondem a uma densidade de 56-60 habitantes por quilómetro quadrado, sensivelmente metade (1) da densidade da Europa Ocidental (ver [1], Cap. XXV).
Quer isto significar que já nessa altura a nossa popu­lação deveria ser o dobro da que registavam os censos, se a nossa economia estivesse de facto ao nível dos países industrializados. Os números encontrados são, pois, um primeiro elemento do nosso atraso (com relação à Europa Ocidental).

EMIGRAÇÃO RELATIVA

Se considerarmos agora a emigração relativa, isto é, o número de emigrantes por mil habitantes, verifica-se uma inversão completa de posições, fornecendo nós um número de emigrantes (por mil habitantes) duplo do referente à Europa Ocidental (ver [1], Cap. XXVII).
E é curioso assinalar que 1890, ano do ultimatum, marca um máximo — 29 427 emigrantes — sendo 74 002 o total correspondente ao triénio 1888-1890 (ver [1], pág. 335).
A impressão que este êxodo em massa causava no País está bem patente nestes períodos, que transcrevemos, do notável manifesto dos emigrantes de 31 de Janeiro (ver [2], pág. 421): «Ao repórter d'um periódico oficioso diz um velho de setenta anos, apontando para a andrajosa meninice que o cerca: — Aqui vamos todos: meus filhos, meus netos. Tudo vendemos em que pudéssemos apurar algum dinheiro. Fica a casa, com a chave na fechadura. O governo que a venda, se quiser.»
Oliveira Martins (ver [3], pág. 139) dá para 1880 uma emigração de 1 em 330 habitantes, mas em 1888 essa pro­porção sobe (2) para 1 em 200, o que bem justifica este comentário do Conde de Casal Ribeiro (ver [19]): «Temo-la [a triste supremacia] também na emigração, pois já infeliz­mente atingimos senão o primeiro, o segundo posto entre as nações».
Está aqui — no valor absoluto da emigração e princi­palmente na falta de correlação entre a densidade de popu­lação e a emigração relativa — um índice expressivo do baixo nível de vida da grande massa do Povo Português. Mas está também uma peça essencial do mecanismo utilizado pela classe economicamente dominante para assegurar as suas posições de privilégio.
Efectivamente, os cheques de remetidos pelos emi­grantes por intermédio da praça de Londres, juntamente com o excedente da balança comercial com o Brasil, cons­tituíram, pelo espaço de largos anos, uma autêntica mina de ouro... E era afinal como concessionário dessa mina que o governo da Monarquia se apresentava perante a banca da Europa Ocidental e nela levantava os fundos que lhe permitiam ir compensando os seus compromissos comer­ciais e financeiros — como adiante veremos.
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(1) Esta proporção é ainda válida actualmente.
(2) Fica, no entanto, abaixo da percentagem de 1 em 138, que corres­ponde ao total de 6o 786 emigrantes (incluindo o Ultramar) em 1952 (ver [20], pág. 143).

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (1)


A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO


Contra a ideia republicana em Portugal nada pode coisa alguma; nada a diminui, nada a destrói, nem sequer os nossos próprios erros, por­quanto ela é a condição histórica e actual imprescindível da nossa naciona­lidade.
Sampaio Bruno


A meu Pai
Ministro do Governo Provisório, que, na grandiosa sessão comemora­tiva da implantação da República, realizada no Porto, na noite de 5 de Outubro de 1955, afirmou a sua confiança inabalável na capacidade política do Povo Português.


A revolução de 31 de Janeiro de 1891 integra-se no movimento patriótico desencadeado pelo ultimatum que o governo inglês dirigiu ao governo português em 11 de Janeiro de 1890. E esse conflito com a Inglaterra insere-se, por sua vez, no plano de expansão imperialista executado pela Europa Ocidental (1) durante a segunda metade do século XIX e que para nós se traduziu na ocupação, pela força, de terri­tórios do Continente Africano, então sob a dominação portuguesa.
Portanto, para compreender o 31 de Janeiro e a actua­lidade que ele hoje tem, apesar de fracassado como movi­mento revolucionário, é essencial caracterizar a situação do nosso país do ponto de vista das suas relações económicas com a Europa Ocidental.
E o estudo dessas relações económicas colocar-nos-á também perante a importância do Brasil como factor de compensação dos pesadíssimos défices da balança comercial e da balança financeira da Monarquia.
Cingir-nos-emos, como é natural, ao último quartel do séc. XIX e começaremos por dar alguns elementos sobre a nossa estrutura económica e o sentido da sua evolução na vizinhança de 31 de Janeiro de 1891.
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(l) Designamos assim o conjunto dos quatro países industrializados — Inglaterra, Bélgica, Alemanha e França — pois são estes que desempe­nham papel primacial no fornecimento combinado de capitais e bens de consumo, em troca de trabalho e riquezas naturais.

Sunday, October 03, 2010

António Luiz Gomes (filho), por Francisco Miguel Araújo

Professor Universitário e Jurista
Nascido na cidade do Porto a 7 de Setembro de 1898, António Luiz Gomes era filho do prestigiado republicano Dr. António Luiz Gomes (Ministro da 1.ª República e Reitor da Universidade de Coimbra) e irmão do Dr. Ruy Luís Gomes (professor catedrático da Faculdade de Ciências do Porto e primeiro reitor desta Universidade no pós-revolução).
Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra a exemplo de seu pai e aí concluiu o bacharelato em Direito. Com a criação da 1.ª Faculdade de Letras do Porto, foi convidado, logo em 1919, para professor contratado do 2.º Grupo (Filologia Românica) e, posteriormente, em 1921, foi nomeado professor ordinário, regendo as cadeiras de Literatura Portuguesa e Geografia Política e Económica. Na sequência da campanha difamatória "Homem Cristo" contra a instituição, rescindiu o seu contrato em 1923 para prosseguir a carreira de magistrado no Ministério Público, em Mogadouro, mais tarde assumindo o cargo de Procurador da República no Tribunal das Execuções.
Por convite de Salazar, em 1933, foi nomeado secretário-geral do Ministério das Finanças (até 1940) e director-geral da Fazenda Pública, promovendo a criação do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra e a reorganização da Direcção dos Palácios Nacionais. Fez parte de várias comissões públicas nomeadas pelo Governo, tendo sido membro da mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (1940) e da direcção da Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência Pública (1944).
Em paralelo, foi nomeado presidente do Conselho Administrativo da Fundação da Casa de Bragança, em 1945. Neste pelouro, desempenhou uma importante acção administrativa e cultural, nomeadamente através do incentivo à produção científica e artística da Casa de Bragança. No âmbito da assistência pública e da promoção da instrução, foi, também, fundador da Obra Social de S. Martinho da Gândara.
Até à Revolução de 1974, manteve as funções de administrador do Banco de Portugal, cargo do qual foi exonerado, passando a dedicar-se à restauração dos direitos da Fundação da Casa de Bragança. Faleceu na cidade de Lisboa a 2 de Janeiro de 1981.