Monday, October 18, 2010

A REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 31 DE JANEIRO, por Ruy Luís Gomes (6)

COM O BRASIL

Foi esse ouro que sugeriu aos governantes a ideia de fazer dos emprés­timos recurso ordinário, e normal, em certo sentido da administração pública; foi ele que animou a agiotagem, nacional e estrangeira, a emprestar, ainda e sempre, a governos portugueses sob hipoteca de determinados rendimentos; é ele, enfim, que satisfaz neste momento aos pesados encargos contraídos (1).
(Basílio Teles)
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Ao contrário da balança comercial com a Europa Ocidental, fortemente deficitária, a balança comercial com o Brasil era largamente superavitária.
Assim, em 1880 exportávamos para o Brasil um valor correspondente a 25 % do total das nossas exportações (2) e recebíamos de lá apenas 7 % do total das importações. Em 1893 a situação tornou-se ainda mais favorável para nós, pois aquelas percentagens foram, respectivamente, de 30,5 % e 6,30 % (3).
Fica assim documentado o carácter superavitário das nossas trocas comerciais com o Brasil e, portanto, um dos motivos por que esse país desempenhou um tão decisivo papel na política da minoria dominante.
Mas é necessário acrescentar ao excedente da nossa balança comercial com o Brasil, como nova fonte de divisas-ouro, bem mais importante, o valor anual de um produto de exportação que não é costume incluir nas trocas comer­ciais propriamente ditas — os nossos emigrantes.
Pois eram os cheques por eles remetidos, via Londres, que, associados ao superhavit da balança comercial com o Brasil, e muito especialmente ao regime de subconsumo da nossa população, permitiam à minoria durar economica­mente (4).
E o mecanismo era este: com o Brasil, ou melhor, com os emigrantes pagavam-se os compromissos dos emprés­timos levantados na Banca Ocidental sob caução de bens e rendimentos nacionais; com o produto dos empréstimos mantinha-se o regime de subconsumo do país e, ainda por cima, alimentava-se aquele quantum de progresso que até reforçava os factores de resistência das classes conservadoras em face das massas operárias e da pequena burguesia.
Era, ainda, daquele volume de empréstimos caucio­nados pela penetração do capital estrangeiro, pelos cheques dos emigrantes e pelo baixo nível de vida que saíam as «receitas extraordinárias» para cobertura das finanças da Monarquia.
O défice é, efectivamente, outra constante da política da minoria dominante, atingindo na gerência 1889-1890 a soma impressionante de 14 950 contos juntamente com uma dívida pública de valor nominal de 592 mil contos (5) (ver [5], pág. 424).
Era tudo isto que certamente desejava exprimir o Conde de Casal Ribeiro, ao afirmar na Câmara dos Pares em 4 de Julho de 1891: «Nós temos hoje entre os povos europeus mais de uma triste supremacia, temo-la em matéria de défice, em desequilíbrio de comércio, em matéria de dívida pública, ou se compare com a população, ou com o rendi­mento do tesouro».
E a preocupação demagógica de apresentar um orça­mento equilibrado dentro de um tal condicionalismo económico conduzia a coisas como esta: «A associação comercial de uma importante cidade portuguesa sugeriu o conspícuo alvitre de que se passe a capitar cada emigrante em vinte mil réis de multa» (6); do mesmo modo que, em 1888, o ministro da Fazenda, Mariano de Carvalho, recorreu ao célebre decreto das licenças como fonte de receitas!
No próprio ministério das Finanças eram tais os mala­barismos para se conseguir esconder (7) o défice perma­nente, que «se inventou uma palavra para designar o crime de falsificar a escrituração pública, e que se chama amavel­mente rindo, de orçamentalogia». E o insuspeitíssimo Anselmo de Andrade exprime-se em termos idênticos — «cada orça­mento novo é sempre, entre nós, uma máscara também nova num perpétuo carnaval financeiro» (8).
Na realidade, o que mantinha a classe dominante era a máquina aspirante-premente dos impostos e empréstimos, uns e outros arrancados, de facto, ao Povo Português — trabalhando aqui ou no Brasil como emigrante — mediante as facilidades dadas à penetração do capital estrangeiro.
Consequentemente, quando havia uma redução subs­tancial na remessa de cheques dos «brasileiros», como sucedeu a seguir à proclamação da República do Brasil em 15 de Novembro de 1889, ou se dava uma retracção de crédito junto da finança da Europa Ocidental, por incidência da própria política internacional, entrava em crise o mecanismo em que se apoiava a minoria dominante.
E, actuando simultaneamente as duas causas, podia chegar-se à bancarrota...
Foi precisamente o que sucedeu em 1891-1892: por um lado, a guerra civil no Brasil, em que Portugal apoiou os elementos mais reaccionários, criou dificuldades ao envio dos cheques via Londres e, por outro, a falência da casa Baring Brothers, banqueiros da Monarquia, fechou-nos as portas a novos empréstimos. Deu-se a derrocada financeira.
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(1) Ver [7], pág. 307.
(2) Ver os números dados.
(3) Exportação total: 32 408 contos. Importação total: 113 571 contos.
(4) Actualmente, o Brasil não conta como fonte de divisas, embora permaneça no primeiro lugar como centro de atracção da nossa grande emigração.
Há, porém, uma outra emigração, que está a suprir a do Brasil como fonte de divisas — é a emigração, de Moçambique para a África do Sul e o Transval e a de Angola para o Congo Belga. Assim, os negros emigrados de Moçambique (cuja população negra é de 5 640 363) andam por meio milhão e cada um deles rende por ano cerca de 30 libras, o que dá um total de mais de um milhão de contos (ver [23], pág. 38).
(5) Segundo o Anuário Estatístico das Nações Unidas para 1954, os défices em 1953 e 1954 foram, respectivamente, de 1 039 ooo e 1 546 400 contos, em correspondência com uma dívida pública de 11 120 400 em 1953. E no próprio orçamento para 1956 figuram 1 270 300 contos cuja cobertura será obtida por meio de empréstimo e venda de títulos.
(6) [2] pág. 421.
(7) [2] pág. 421.
(8) [15].