Wednesday, October 03, 2012

1935: O ano da demissão de Abel Salazar (em cartas a Celestino da Costa) (1)


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Recebi hoje um ofício do Director, dizendo-me que o Conselho, em sessão de ontem, resolveu entregar a direcção do Instituto de Histologia ao Amândio Tavares.
Ora o Instituto acaba automaticamente com a minha saída e o Amândio pode apenas substituir-me na cadeira. Tudo isto são coisas burocráticas, de pouca importância.
O que importa é saber se o trabalho poderá continuar aqui sob a égide da Junta(*). Isto tinha grandes vantagens, evitando a interferência da Escola nesses trabalhos, facto que eu temo, porque sei os processos que habitualmente aqui se empregam, as tricas e pequeninas misérias que tudo enrodilham.
Creio que entre a Junta e os laboratórios de investigação existem relações um pouco especiais que tornariam isto talvez possível.
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(*) Celestino da Costa foi presidente da Junta Nacional de Educação de 1934 a 1942.
Carta 46 (7 de Junho de 1935 no dia seguinte ao do Conselho Escolar a que se refere a carta; a demissão saíra no Diário do Governo de 16 de Maio)
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Enviei ultimamente um ofício ao Conselho pedindo para me utilizar das Bibliotecas da Faculdade. O Conselho, não querendo comprometer-se, enviou o pedido ao Ministro, mas o Reitor devolveu-o ao Conselho dizendo que era preciso este pronunciar-se. Os homens ficaram entupidos, e no meio desta dança cômica eu continuo sem poder sequer pôr os pés na Faculdade! É este o meu maior embaraço, isto é, não poder ir à Biblioteca; porque quanto ao resto, como tenho em casa um microscópio e boas lentes e trouxe muitas preparações, tenho continuado a trabalhar como se nada fosse. E até, coisa curiosa, o trabalho tem-me rendido bastante. A questão do Aparelho Para-Golgiano está definida nas suas grandes linhas e a sua interpretação esboçada. O que me embaraça é não ter quem me dactilografe os manuscritos, o que não posso fazer fora porque é caro.
Conto em breve distribuir novo fascículo dos trabalhos do Instituto que passam a levar apenas o rótulo de «Porto». Desta maneira dou resposta às boas almas que por aqui esfregaram as mãos supondo-me inutilizado. Mas estas coisas excitam-me em vez de me desanimarem.
O dr. Athias disse-me que a Junta já não é livre, e que está nas mãos do governo e da política. Ficam pois sem efeito os pedidos que há tempos lhe fiz.
Eu continuo trabalhando sempre, afastado de todos os ambientes políticos como sempre, mas sem abdicar, até por onde der, da liberdade de opinião. Uma das razões ocultas e claras da má vontade contra mim é o meu combate constante à metafísica como se prova ainda por um recente artigo publicado num jornal da Situação que me descompõe em quatro colunas de prosa, terminando por indicar os meus escritos filosóficos à Censura. E típico o tal artigo, para o meu caro amigo ver a causa destas comédias e a verdadeira razão do que se passou. O artigo em questão refere-se a um escrito meu sobre a escola filosófica de Viena, o Empirismo Lógico, escrito meramente doutrinário. Pois quem ler, e não conhecer o meu escrito, conclui logo que se trata de... bolchevismo! Uff! O bolchevismo subiu-lhes à cabeça.
Enquanto isto se passa o Oliveira Lima passa o tempo a esmoucar o Hernâni e este a fugir por entre as cadeiras, tudo isto com grande gáudio do público... E uma comissão de amigos do Hernâni foi pedir ao Oliveira Lima para deixar descansar os lombos do Nini(*)!... Mas o Oliveira Lima não se contenta com menos do que comê-lo vivo e vai para a Secretaria explicar aos empregados as razões da tapona! Como vê, na Faculdade faz-se ciência a valer — irra!
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(*) Hernâni Monteiro.
Carta 47 (Em 17 de Junho de 1935 Salazar escreveu à Faculdade a perguntar se a sua demissão apenas implicava suspensão da docência podendo continuar a investigar nas instalações do Instituto)
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Para coroar as minhas arrelias soube agora pelo Pires de Lima que o meu Instituto foi extinto. Diz o Pires de Lima que foi uma ilegalidade contra a qual se fartou de protestar, pois nem o Conselho nem o Senado foram ouvidos como manda a lei.
Que me aconselha? Reclamo? Protesto? Deixo correr? Mando-os à fava? Uff!
Outra coisa. Desta derrocada de que me procuro salvar ficou apenas de pé um dos meus antigos assistentes livres, a Estrada, uma moça que se apaixonou pela Hematologia e que resiste heroicamente a tudo que fizeram para a impedir de trabalhar.
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Foi ela que às escondidas me salvou desta derrocada as preparações, papéis e desenhos em que eu tinha mais empenho.
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Carta 48 (1935 ainda na sequência da demissão)
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